Experimento Noir é um espaço de troca de experiências e experimentos que bebam da fonte do gênero noir.
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quarta-feira, 1 de junho de 2011

The Lady from Shanghai - 1947

The Lady from Shanghai
USA - 1947
87 min
Crime | Drama | Film-Noir
Direção: Orson Welles
Astros e estrelas: Rita Hayworth, Orson Welles and Everett Sloane


A Dama de Shanghai, filme de Orson Welles, é um noir muito apreciado e comentado, e eu diria que trata-se de um filme com uma mistura de dois caminhos aparentemente ambíguos, mas com características que culminam em concluí-lo como um representante do gênero que merece atenção e comentários.



O filme inicia com a voz off do protagonista Michael O’Hara (o próprio Welles), contando em flashback como deixou-se enganar ao ponto de cair em uma cilada por uma bela loira - até aí, o flashback, a temática que o levará a algum risco ou dificuldade, quem sabe um final fatal, levado por uma femme fatale de quem Michael não conseguiu resistir aos encantos - mas logo em seguida, as imagens exóticas das viagens no iate do Sr e Sra Bannister, em cenas em sua maioria em plenos dias ensolarados em belas praias ou em alto-mar parece destoar do padrão noturno de boa parte dos filmes que conhecemos.




Acontece porém que, em meio aos cenários exóticos e paradisíacos, percebe-se a tensão constante entre os personagens, Elsa (Rita Rayworth) tentando seduzir Michael para si, enquanto permanece ao lado do marido, um homem com alguma deficiência que o faz caminhar com dificuldade com o auxílio de uma muleta, envoltos nas palavras cortantes de uma relação desgastada mas mantida por interesses econômicos.



Interessante é a cena em que param em uma praia a fim de fazer um picnic, e Michael descreve uma cena que presenciara com Tubarões que destruíram-se uns aos outros, estes comparados a relação que ele via entre o casal e o sócio do Sr Bannister.

Ocorre que, mesmo Michael parecendo perspicaz e com alguma vivência que o livraria de qualquer dificuldade, sua obscessão por Elsa parece cegá-lo ao ponto de aceitar um acordo de suposto assassinato a fim de ganhar uma soma em dinheiro e levá-la consigo para longe da situação indesejada.

O resultado é um assassinato e um suspeito em um tribunal a caminho da condenação à câmara de gás.

Mas A Dama de Shanghai reserva muitas surpresas, e considero a partir daí a parte boa do filme, onde as características do Noir evidenciam-se e a trama ganha força e suspense.

A cena do parque de diversões abandonado, onde Michael foi escondido e preso, com as imagens das salas com espelhos distorcidos, as paredes e pisos que lembram de imediato o expressionismo de O Gabinete do Dr. Caligari, reforçando a confusão e o atordoamento mental em que se encontra o próprio personagem – enquanto sua voz em “off” nos explica as causas de tal confusão - justificam e coroam toda a trama até então com um toque um tanto inocente e ainda sem toda a devida consistência do gênero.

O labirinto dos espelhos revela a imagem dos personagens duplicados, tal qual seus dramas, conflitos e mesmo a dualidade de sua personalidades, onde a verdade se revela e os "tubarões" finalmente se encontram, cansados de lutar por algo já desgastado e não lhes resta nada além da morte.





A Dama de Shanghai sem dúvida imortalizou-se como um dos ícones do Noir pela trama e as cenas atordoantes e labirínticas entre espelhos que revelam a dualidade do ser. Dualidade esta a ponto de culminar em um final trágico e um homem a salvo de toda a culpa, menos da lembrança do desejo por uma mulher que parece que não o abandonará até o final de seus dias.

Uma viagem sobre a noite e as sombras

Truffault diz que "o noir excita o imaginário". E não seria esta a base de boa parte das tramas Noir, em suas noites cheias de névoas e vultos que não distinguimos por completo, expondo os personagens a toda sorte, à mercê da insegurança sobre o desfecho de tal situação?

Em uma conversa e análise de todo o estudo sobre o Noir, Tina, coordenadora do curso da pós descreveu que "A sombra é a metáfora mais clara da dupla visão sombreada do real, que escapa às teses iluministas e cartesianas do mundo".

Ou seja, o Iluminismo pretendia trazer à luz toda a verdade, disponível a qualquer indivíduo, verdade sempre controlada pelo Clero e mantida enclausurada até então, distante do homem que via-se controlado pelo medo.

Mas o homem é esse ser obscuro que nem mesmo se conhece por completo, tamanha mutação que vive a cada fase da vida e ainda de acordo com certas influências externas. Há uma sombra no auto conhecimento, e ainda, a sombra que encobre desejos e possibilidades de atos muitas vezes impensáveis.

O Iluminismo trouze a luz ao homem, mas desconhecia ou deslechou-se em perceber que essa verdade não seria o bastante ou toda a verdade, uma vez que o homem é dual e complexo, tal como a análise de Nietszche sobre o bem e o mal, onde diz que não é possível analisar o ser por uma ou outra postura, tamanha sua complexidade e reações de acordo com o ambiente, seu histórico e a natureza do ser.

Referências:

GILLAIN, Anne. O cinema segundo François Truffaut, Ed Nova Fronteira.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Além do Bem e do Mal, Companhia de Bolso, 2005.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Cartazes - The Lady From Shanghai - 1947

O clássico e muito comentado filme Noir A Dama de Shangai, filme de Orson Welles com a então esposa - já em vias de separação - Rita Rayworth, em diversos cartazes, em sua maioria produzidos em diversas ilustrações. Reparem na repetição de alguns cartazes com a bela Femme fatale em primeiro plano e o seduzido Michael O'Hara ao fundo.

Gostei particulamente do último com referências orientais e o segundo no estilo oriental de fato, que enfatiza a cena dos espelhos, cena esta que imortalizou uma característica do gênero que faz deste um exemplo sempre lembrado como citação.









segunda-feira, 30 de maio de 2011

Scarface - 1932

Scarface (1932)
93 min - USA
Crime | Drama | Film-Noir
Howard Hawks, Richard Rosson


Pode parecer uma tendência nostálgica, mas quando me deparo com um filme como o original de 1932, baseado no livro de Armitage Trail, com uma temática violenta e crua sobre gângsters muito bem produzido diretor Howard Hawks, não há como deixar de valorizar a grandeza da obra como ainda comparar com a releitura com Al Pacino e perceber suas evidentes diferenças.

O filme já inicia com um questionamento crítico acerca da falta de atitude governamental em relação a tomada da cidade pela ação violenta de gângsters, cobrando a devida postura para acabar com a criminalidade.

Com algumas diferenças de roteiro em relação a produção de 83, Tony Camonte é o empregado do poderoso gângster Johnny Lovo, e sua ambição e violência o levará mais tarde a assumir o poder, vivendo sempre com a polícia em seu encalço a fim de obter provas para capturá-lo. E claro, o fim de sua família, o melhor amigo, a irmã a quem venera e seu próprio destino estão fadados ao desfecho fatal.



O filme mostra com detalhes a ação violenta da gangue, que cobra os devedores de Lovo chegando a "queima de arquivo" ou devedores indesejáveis, onde a marca registrada de Tony é a chegada com um assobio de uma canção que prenuncia o assassinato da próxima vítima.

Vemos ainda a luta por território entre as gangues, com recados através de corpos sem vida deixados pelas ruas escuras, as ações no tráfico de armas, onde tal situação começa a ser questionada pela sociedade cobrando maior dedicação por parte da polícia que tem como dever defender a população.

Numa cena impressionante, os dias passam na folhinha tão rápido quanto os tiros de uma metralhadora faz seu serviço, mostrando a ação da máfia sem tréguas.

Tony Camonte é um homem engomado, com cabelos empastelados de brilhantina e as roupas de fino caimento, porém a fala dura, os gestos vulgares e a petulância de conquistar a qualquer preço o que deseja mostra sua verdadeira essência, detalhes que parecem não incomodar a esposa de Lovo que em muitas cenas parece gostar de seu ar petulante e deixa a visão de interessar-se por estar em sua companhia.

The World is Yours é visto da janela de Tony e este a tem como uma mensagem destinada a sua pessoa, e a mensagem está presente ao final do filme, com seu assasinato pela polícia na calçada em frente a sua casa, onde o luminoso prossegue no avançar da noite diante do final trágico diante de si.

Várias cenas são referências para as influências que nos remete ao Noir, como os diálogos cortantes, a sombra no início do filme que surge ao som de um assobio e realiza o assassinato do último grande líder de gangue Big Louis Costillo, o contraste do claro-escuro na cena de um beco onde de uma parede de tijolos vemos várias silhuetas de homens dispostos lado a lado e são exterminados pelo som de tiros de metralhadoras. Vale lembrar ainda algumas cenas onde a luz atravessa as frestas das janelas, como na cena em que Tony conversa com o detetive, afirmando sua inocência frente a qualquer acusação de atos criminosos.



Scarface apresenta muita ação e violência, onde a ambição de tomar tudo para si é a máxima em todo o filme.


E como todo bom filme de gângster, o final fatal encerra a trama, com raras exceções, é certo, como Don Corleone que morre em casa e junto da família, mas claro que não se trata da constante que nos deparamos com a maioria dos filmes do gênero.

O que é importante dizer é que Scarface de 32 é um filme consistente e digno de ser visto.

O filme de 83, com Al Pacino, não deixa de ser interessante, mas perde muito do brilho após conhecer este de que falo. Michelle Pfiffer é insossa no papel, não há química entre ela e Pacino, pouco mostra-se de fato as ações dos gângsters e algumas cenas de tiroteio batariam por menor tempo de filmagem. No caso de Scarface de Hawks, as mulheres, tanto a irmã como a mulher de Lovo tem muito mais personalidade e atitude. Tony é o gângster nato, portando uma bela cicatriz no rosto e a malícia do bandido sem escrúpulos. As cenas de perseguição e violência urbana intensificam o clima e nos remete à cidade acuada.

Passei um dia inteiro baixando 8 partes mais a legenda - que então mostrou-se em alemão, então descartei e preferi assistir na íntegra em inglês - e posso dizer que valeu cada minuto de espera para assitir a obra na íntegra, que até então só conhecia partes assistidas no YouTube, este mais uma vez colaborando com alguns trechos para ilustrar este post e quem sabe, aguçar a curiosidade do leitor e estimular a procura para assistir ao filme.





domingo, 29 de maio de 2011

Scarface - The World is Yours

Scarface
1983 - 170 min
Crime | Drama | Thriller
Brian De Palma



Alta violência, ambição desmedida, ação imediata para conquistar o desejado, jogos arriscados e mortes, muitas mortes. Eu diria que essa é a base de Scarface.


Em 1980, Tony Montana, um cubano que foge da tirania de Fidel junto com seu grande amigo, pede asilo nos Estados Unidos e aguarda em um campo de refugiados a liberação de seu Green Card para partir para a Flórida e recomeçar a vida, o que consegue com o assassinato de um ex-assessor de Fidel, a mando de um rico comerciante de cocaína, que mais tarde será seu patrão, após uma arriscada mas bem-sucedida transação que o destaca como um homem interessante para os negócios em Miami.


Tony é o homem que passa por cima de quem julga fraco - como seu chefe, desejando inclusive sua mulher (Michelle Pfiffer) - tomando a frente na negociações com o poderoso e perigoso traficante da Bolívia Alejandro Sosa, o que lhe proporciona uma ascenção meteórica de ganhos e poder, porém na mesma medida os inimigos, os perigos e a paranoia de controlar tudo e quase temer a própria sombra.


Tony Montana é o "ladrão de galinhas cubano" que decide vencer na vida a qualquer preço. Ele passa por cima de tudo e todos, até mesmo da felicidade de sua família, mesmo com a constante afirmação de que faz tudo em busca de sua proteção e bem-estar. Como diz sua mãe, ele estraga tudo em que toca ou se aproxima.

Vemos sua degradação a passos largos, do distanciamento até o abandono da esposa - sim, Tony mata seu ex-chefe, toma para si a insossa esposa drogada que em pouco tempo o despreza - da irmã que o venera até que este a faz infeliz matando seu marido, outra situação que sugere uma espécie de desejo incestuoso que o faz não permitir que nenhum homem aproxime-se dela, e finalmente sua entrega a bebidas e drogas, numa cena final em que sua mesa é um mar de pó em que este mergulha o nariz e suga o quanto pode, deixando-o fora de si ao ponto de levá-lo a morte com a invasão de diversos atiradores em sua mansão, terminando em uma chacina e corpos banhados em sangue.


E assim termina a trajetória de Tony Montana, caído nas águas do chafariz no meio da grande e luxosa sala, onde vemos o grande globo com a inscrição "The World is Yours".

Algumas considerações que podemos ainda fazer é sobre o papel de Al Pacino que difere dos muitos papéis de gângsters que o vemos protagonizano, sempre mais refinados. Em Scarface, ele é o homem sem refino nem tutano. Parece agir mais por impulso e de acordo com seu estado de ânimo, diferente em O Poderoso Chefão, onde ele é o estrategista, o que o faz o preferido de Don Corleone e o mais apropriado para assumir os "negócios" da família.

Analisando sobre aspectos da influência dos filmes de gângsters com o noir, eu citaria os temas como ambição, o clima violento e a tragédia familiar, encabeçada pelo protagonista que parece ter nascido para o final fatal.

Trata-se de um filme duro, violento e sangrento. Brian de Palma dirigiu com maestria este Triller, mostrando a face sórdida do mundo do crime e o final a que os grandes nomes desse mundo estão fadados e deparar-se.