Experimento Noir é um espaço de troca de experiências e experimentos que bebam da fonte do gênero noir.
Participe para saber mais e envie a sua colaboração. Após análise, publico com crédito do experimentador.


sábado, 9 de abril de 2011

Theory of Film - Siegfried Kracauer




Theory of Film - The Redemption of Physical Reality
364 páginas
Editora: Princeton University Press (24 de novembro de 1997)
Idioma: Inglês

Disponível:
http://www.amazon.com/Theory-Film-Siegfried-Kracauer/dp/0691037043


Siegfried Kracauer - 08/02/1889 - 26/11/1966

Para quem não só gosta do gênero Noir mas tem interesse pelo cinema, suas origens, efeitos e similaridades sobre e em relação a sociedade, vale consultar algumas obras do escritor, jornalista, sociólogo, crítico cultural e teórico de cinema Siegfried Kracauer, entre elas "Theory of Film", publicado originalmente em 1960.

Kracauer faz uma investigação profunda de como o filme revelou os novos modos de experiência que caracterizam a modernidade, explorando as qualidades distintas do meio cinematográfico.

Percebe-se o detalhamento do cinema com empolgação sobre as possibilidades dessa arte nova e revolucionária. Kracauer explora como filme é semelhante e ainda totalmente diferente de outras artes clássicas, incluindo fotografia, teatro e literatura. Fala ainda sobre os efeitos do filme sobre o espectador em relação às características e dificuldades da modernidade.

Marvel Noir

Há alguns posts atrás busquei descrever e discutir a questão da apropriação do estilo Noir na atualidade, gerando uma série de produções cinematográficas revivendo suas características, como no caso de Sin City (2005) de Frank Miller, que sai dos quadrinhos e apropria-se das técnicas cinematográficas para reproduzir sua história, entre tantos outros que pretendo comentar adiante.

Veremos agora o inverso da situação, como é o caso da Marvel Comics, editora americana fundada em 1939 e conhecida mundialmente pelos mais importantes e populares super-heróis, anti-heróis e vilões das histórias em quadrinhos, invertendo o processo, combinando elementos do gênero policial para uma série inicial de seis volumes intitulada Marvel Noir (2009), onde os heróis encontram-se no submundo criminoso de Manhattan, Nova York, na década de 1930.


Nesse contexto, os heróis não tem poderes, mas habilidades associadas ao poder original. Exemplo é Wolverine, um detetive que não possui as garras de adamantium mas quando jovem teve treinamento com facas e as segura entre os dedos quando em ação.



A descrição oficial do conceito da publicação pela Marvel: “A Grande Depressão acabou e um misterioso mundo emergiu. A multidão encontra-se desiludida e o poder corrompido. Esse mundo clama desesperadamente por heróis. E como identificá-los? Eles são reconhecíveis, mas de maneiras inesperadas. São pessoas que devem tomar uma posição e encontrar o herói - ou o vilão - em cada um deles. Mistérios de assassinato e mutilação envolvem este difícil mundo. Bem-vindo ao mundo de Marvel Noir”. (http://marvel.com/news/story/4839/marvel_noir_set_for_2009).



Observa-se na série um ambiente com personagens ambíguos revelando suas identidades em um mundo marcado pela incerteza e a violência. Antes conhecidos nos quadrinhos e produções cinematográficas pelos atos heróicos em benefício da humanidade, os personagens desta série nem sempre ocupam o comportamento original, como por exemplo o Professor Xavier de X-Men que em Marvel Noir possui uma escola que treina alunos para o crime, alterando o contexto de sua personalidade com tendências para o mal, ou oposta ao que frequentemente é conhecido.



Reparem na estética refinada dos quadrinhos, com elementos da fotografia e os enquadramentos que caracterizam o Noir. Mesmo com o uso da cor, em especial no interior dos quadrinhos, sendo o uso alto contraste em preto e branco com maior frequência nas capas com interferência apenas do vermelho em alguns casos, a arte interna apresenta o contraste das áreas em negro que mantém o predomínio da luz e sombra e o clima que remete ao estilo cinematográfico.

A temática gira em torno de crimes e a ambiguidade dos personagens, a presença da corrupção, a femme fatale, em pleno submundo de Manhattan, sob os mesmos impasses sociais da Grande Depressão já descritos algumas vezes quanto do surgimento do Noir.

É interessante observar como as artes sempre influenciam-se pelos acontecimentos vividos na sociedade.

Lendo um artigo de René Gomes Rodrigues Jarcem para a Faculdade Maurício de Nassau intitulado "A História das Histórias em Quadrinhos" (http://www.historiaimagem.com.br/edicao5setembro2007/06-historia-hq-jarcem.pdf), este inicia com a seguinte frase:

“As Histórias em Quadrinhos, como todas as formas de arte, fazem parte do contexto histórico e social que as cercam. Elas não surgem isoladas e isentas de influências. Na verdade, as ideologias e o momento político moldam, de maneira decisiva, até mesmo o mais descompromissado dos gibis.(...)” JOATAN PREIS DUTRA

Ele cita justamente o período do Crash da Bolsa e as tendências nos quadrinhos: "O crack da Bolsa de Valores em 1929 foi um ponto importante na história da história em quadrinhos, e nos anos 30 eles cresceram, invadindo o gênero da aventura. Flash Gordon, de Alex Raymond, Dick Tracy, de Chester Gould e a adaptação de Hal Foster para o Tarzan de E. R. Borroughs são conhecidos como o início da A Era de Ouro (Golden Age). Nesta década, três gêneros essenciais eram produzidos: a ficção científica, o policial e as aventuras na selva."

..."No final da década de 30, surgiu o primeiro super-herói que possuía identidade secreta, Superman de Siegel and Shuster. Muitos o destacam como o personagem que marca o início da Era de Ouro."

Vemos que a impressões vividas na sociedade geram uma reação e forte influência sobre as manifestações artísticas e uma forte semelhança em especial na temática do cinema noir e os quadrinhos, ambos considerados gêneros da cultura de massa.

Comparando os filmes da atualidade com o período clássico do Noir, assim como os quadrinhos que são tema deste post, os clássicos parecem ter um enfoque mais psicológico, onde sexo e violência participam da trama mas de forma sugestiva e os fatos ganham intensidade gradativa. Na atualidade, tudo é explícito e exagerado, desde os contrastes e a violência, em um ritmo acelerado de acontecimentos. Os personagens, aparentemente frios, pareciam dissimular suas fraquezas a fim de sobreviver diante da crueldade urbana. Na produção atual, há predileção pelo personagem frio sem expressão, além do prazer no crime e na violência, utilizados para o alcance de seus objetivos, anestesiados de qualquer sentimento ou valor moral, chegando à mudança da personalidade e atuação como vemos nos quadrinhos.

Sobre os títulos disponíveis na série Marvel Noir encontramos Wolverine, Daredevil, X-Men, Iron Men, Punisher e Spider Men.







Até há bem pouco tempo só havia a opção em inglês para baixar na internet ou ainda adquirir os exemplares pela Amazon, mas eis que descobri esta semana a edição em português do Homem Aranha, que vem pela editora Panini, disponível ainda na Livraria da Folha, por pouco mais de R$15,. Quem sabe em breve teremos todas as edições disponíveis em território nacional.


Termino disponibilizando outras belas páginas dos quadrinhos inspirados no gênero Noir.





terça-feira, 5 de abril de 2011

Cartazes - Neblina e Sombras

Os poucos que encontrei de Neblina e Sombras. Na verdade, a não ser pelo primeiro em espanhol, os outros tratam-se de uma publicação em revista e outra trata-se da capa de um DVD.

Se o leitor souber outros, agradeço em contribuirem com este post.



Neblina e Sombras (Shadows and Fog - 1991)

Shadows and Fog - 1991
85 minutos - USA
Comedy | Drama | Mystery
Woody Allen

http://www.imdb.com/title/tt0105378/


Quem disse que um filme sobre assassinatos não pode ser hilário e divertido?

Pois nas mãos de Woody Allen e seu elenco incrível - De John Cusack a John Malkovich, de Madonna a Lily Tomlin - vemos uma agradável comédia com diversos elementos do Noir - no Imdb ele não aparece classificado como herdeiro do gênero, mas diversos sites e algumas de suas características fazem pensar em uma boa paródia do estilo, dotada de grande qualidade e a pitada de absurdo sobre a condição humana que Woody Allen sabe apresentar como ninguém. Vale dizer ainda que o objetivo de Allen com Neblina e Sombras foi o de homenagear o movimento expressionista alemão e o escritor Franz Kafka, e o movimento como sabemos, é uma das grandes influências do gênero, daí a associação inevitável.



Shadows and Fog conta a história do atrapalhado, covarde e sensível contador Kleinman (Woody Allen) que é convocado por um comitê de vigilância formado pelos moradores de uma cidade para ser isca - ainda que este não esteja ciente disso - de um assassino em série que estrangula suas vítimas na calada da noite. Mas a história tem ainda a chegada de um circo decadente na cidade, e os acontecimentos passam a cruzar-se.


No meio da névoa, Kleinman vê-se hora solitário e em pânico pelo perigo da aparição do assassino, ora interagindo com diversos personagens, entre eles Irmy (Mia Farrow), uma engolidora de espadas do circo que abandonara seu trabalho devido à traição do namorado (John Malkovich) com a bela trapezista interpretada por Madonna.

Em meio a reflexões, a posição de cada personagem sobre a vida e seus comportamentos de acordo com a situação - como Irmy que é levada a um bordel para passar a noite e esta acaba aceitando o convite de um jovem estudante (John Cusack) por 700 dólares - participa da trama em meio ao mistério do assassino careca qu mais parece um zumbi e suas falas são quase inexistentes durante todo o filme.

As discussões existencialistas ocorrem em sua maioria dentro de um bordel de forma cínica e acompanhadas de muita bebida, tendo entre as personagens nomes como Jodie Foster, Lily Tomlin e Kathy Bates.



John Malkovich faz o namorado traído ao descobrir que o personagem de Cusack esteve com a “prostituta por um dia” sendo na verdade a inocente Irmy.



O suspense porém ocorre em umas poucas cenas e ao que parece, a atenção está sempre voltada ao comportamento banal e previsível da humanidade. A luta pelo poder entre os grupos de vigilantes que disputam espaço a qualquer preço, a mudança quase imediata dos conceitos na atitude de Irmy de aceitar o convite sexual de um desconhecido, a atitude da igreja em relevar ou registrar numa espécie de lista negra nomes de cidadãos de acordo com a contribuição para a paróquia, são alguns dos muitos acontecimentos que demonstram de forma realista a natureza ambígua do ser humano.


O desvendar do crime fica nas mãos do covarde e o mágico do circo. Mas tão rápido quanto prendem o criminoso é o mesmo quanto este some e perde importância no filme.


Em um estúdio em Nova York, a homenagem do diretor ao movimento alemão que transita com mais intensidade no Noir, mostra um filme com técnica e fotografia magnífica, usando na maioria das vezes a luz como parte integrante da cena.

domingo, 3 de abril de 2011

Cartaz - Sin City

Parece que nosso amigo Frank Miller cuidou não só da produção cinematográfica como com o material gráfico a ser distribuído divulgando o filme, pois só encontro um modelo de cartaz e ainda uma capa de DVD. Apreciem.


Sin City, a cidade do Pecado (Sin City - 2005)


Sin City
124 min - EUA
Action | Crime | Drama
Frank Miller, Robert Rodriguez, Quentin Tarantino



Nos últimos posts analisamos a apropriação na atualidade do gênero Noir, e uma das produções recentes que destaca-se entre diversas releituras do estilo é Sin City, filme baseado nos quadrinhos de Frank Miller com três histórias sobre crime e perseguição, com clima denso e pessimista, intensificado pelos efeitos tecnológicos que modernizam o estilo, classificado por alguns críticos um neo-noir.


Antes é interessante dizer que não se trata exatamente de um filme "baseado" nos quadrinhos, mas uma fiel adaptação controlada meticulosamente pelo desenhista Frank Miller, que resistiu em aceitar o filme até que estivesse plenamente seguro de não resultaria em mera releitura sem o clima e características como os quadrinhos foram concebidos. Resistências a parte, todo esse cuidado resultou em um filme muito bem estruturado, com uma fotografia impecável finamente tratada com efeitos de computação que nos dá a sensação dos quadrinhos em movimento nas telas.


Frank Miller

Sin City mostra três histórias que se cruzam, com policiais, assassinos e prostitutas vivendo situações na Cidade do Pecado.

Vemos policiais trapaceiros e o que procura a justiça e a verdade na figura de Hartigan (Bruce Willis), que coloca sua vida em risco em especial para desvendar um crime e proteger uma criança que encontra-se em perigo, nas mãos de um psicopata e filho de um senador; há personagens que buscam vingança ou redenção, como Dwight (Clive Owen) e Marv (Mickey Rourke), dois personagens que acima de tudo estão a disposição de sedutoras figuras femininas, a fim de vingá-las ou receber a consideração desejada.


Em relação a apropriação do Noir, Sin City é todo o estilo, com características marcantes na estética e temática.

A narrativa over conduz a história e, ao contrário do padrão do clássico Noir onde os personagens geralmente fazem um flashback da situação vivida, em Sin City ocorre no presente e de forma múltipla, onde as três figuras masculinas (Hartigan, Dwight e Marv) contam suas histórias e neuroses em meio a situações bizarras, envolvidos em conflitos na maioria relacionados a arriscar suas vidas para proteger e vingar suas amadas.




A fotografia contém fortes traços expressionistas com longas sombras, além do acabamento gráfico que intensifica sua origem dos quadrinhos e a fidelidade ao original. A visão parcial do quadro cria um ar de suspense e vemos ainda o recorte de certas cores, em especial o uso do vermelho, destacando elementos da cena ou caracterizando personagens.







A femme fatale expande-se em um bairro de prostituição onde mulheres sensuais e perigosas dominam o espaço e cuidam de sua proteção. Vê-se a figura masculina dominada ao invadir seu território, destruída pela tentativa de oprimí-las ou colocada à disposição, aguardando o reconhecimento de seu valor, traços da submissão à figura feminina que detém o poder.







Marv, por exemplo, é um homem bruto, frio e com sérios problemas psicológicos. Quando conhece Goldie, uma bela loira que lhe proporciona sua primeira noite de amor, aparece morta a seu lado no dia seguinte, sem que ele tivesse percebido o que aconteceu. A partir de então, Marv fará de tudo para desvendar o crime e vingar a morte de Goldie, mergulhando no submundo de corrupção e morte de Sin City, a fim de descobrir a verdade e punir os culpados.

Gosto muito da cena em que Marv está no mesmo bar onde encontra-se Dwight, e este o observando, pensa que o mesmo é apenas um bruto nascido em época errada, que este deveria ter nascido em um tempo cortando cabeças e matando sem piedade, pois é a sua natureza. Uma observação muito pertinente a personalidade do personagem e que nos lembra o pensamento de Giorgio Agamben, falando do homem contemporâneo que participa e distancia-se de seu tempo por não entendê-lo, buscando no passado referências que o definam. Aqui, Marv é um ser natural de tempos medievais, e o faz impiedoso e violento diante das muitas perseguições que sofre nestes tempos, sempre julgado como culpado.

Dwight é outro personagem masculino que espera que as damas da noite reconheçam seu valor. Com aparência de homem decidido mas com dúvidas e incertezas pairando em sua mente, pensa demonstrar a elas sua força, ainda que estas estejam sempre no comando e prontas para defender seu território, o Centro Velho em que estas oferecem todo o tipo de prazeres caso o visitante esteja disposto a pagar o alto preço.



A corrupção e o pessimismo são extremos e a violência é explícita. Não há distinção moral entre homens da lei e figuras do submundo. Todos usam da violênca para alcançar seus objetivos.

A cena preparada especialmente por Quentin Tarantino é hilária e aterradora. Sem dúvida, a marca do diretor está em todo o cinismo e tensão da cena.



Como reprodução dos quadrinhos e apropriação do Noir, Sin City obteve um resultado fascinante, trazendo consigo as principais características deste grande estilo, não só na estética como na temática.

Sou fã confessa dos quadrinhos e da produção cinematográfica dentro do clima sombrio e sem escrúpulos do noir. Para quem ainda não conhece ambas as obras, vale a pena checar e experimentar todos os elementos dessa impiedosa produção.