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quinta-feira, 31 de março de 2011

O pastiche ou apropriação - uma análise sobre o noir na atualidade - Parte II

Seguindo com os comentários sobre a apropriação ou pastiche defendido por Fredric Jameson, citando Corpos Ardentes como "plágio" alusivo de Pacto de Sangue, pretendo neste post falar um pouco dos 2 filmes para que o leitor possa analisar e tirar por si algumas conclusões, analisando a tendência da apropriação do gênero, trazendo de volta um estilo para os dias atuais.

Double Indemnity (1944)
107 min - EUA
Crime | Film-Noir | Thriller
Billy Wilder

“Fiz por dinheiro e por uma mulher. Fiquei sem o dinheiro e também sem a mulher.”, diz Walter Neff (Fred MacMurray).


Assim conclui o protagonista do clássico Pacto de Sangue, quando da chegada a seguradora onde trabalha e resolve gravar sua confissão como criminoso, iniciando assim toda a trama deste engenhoso filme.

Walter Neff chega ao edifício onde trabalha. Em sua sala, ferido e sangrando, grava sua confissão de assassinato ao gerente e amigo Barton Keyes, o que fez por dinheiro e por uma bela mulher, a Sra. Phyllis Dietrichson com quem se envolvera poucos meses antes, ao procurar seu marido, na mansão da família, para renovar o seguro de seus carros.


Seduzido por Phyllis desde o primeiro momento em que a vê, Neff começa a pensar no crime do marido indesejado que fora sugerido por Phyllis, baseado em seu conhecimento sobre seguros de vida.


O crime parece perfeito, cada detalhe é repassado minuciosamente pelos amantes até a consumação do ato, porém, como todo bom clássico noir, nenhum ato vão sairá impune, e vemos o desenrolar do medo, ansiedade, desconfiança, tomando conta dos personagens levando a um clima tenso e angustiante.




Em um roteiro bem estruturado e uma bela fotografia, Wilder e o detetive romancista Raymond Chandler constróem uma grande obra, baseada na história de um crime ocorrido em março de 1927, em Nova York, envolvendo a dona-de-casa Ruth Snyder e seu amante, Judd Gray, um vendedor de 32 anos.

Pacto de Sangue é um filme carregado de elementos Noir, entre eles o perseguido, - vemos na maior parte do tempo tentando não ser descoberto pelo sagaz chefe Barton Keyes (Edward G. Robinson) - a femme fatale Phillis, a mulher sedutora que conquista o personagem Neff e o manipula ao ato do crime. A narrativa em primeira pessoa com flashback do personagem declarando os fatos do crime, a fotografia com predomínio do ambiente escuro, as cenas quase sempre noturnas. Vemos ainda a cena urbana em ambientes amplos e a projeção da luz das janelas sobre o protagonista e criminoso, como que marcando um enclausurado em sua própria angústia.




A ambiguidade dos personagens é nítida, como no caso de Neff que incomoda-se com as sugestões não declaradas de Phyllis para que este cometa o assassinato do marido, única solução, segundo ela, de obter a herança, até que cego de desejo resolve concordar e prepar um plano detalhado com base na experiência do corretor de seguros a fim de resultar em um crime acima de qualquer suspeita que permita a remuneração como resultado final.

A figura do chefe de Neff (Barton Keyes), veterano investigador de seguros, inflexível e capaz de identificar qualquer reivindicação desonesta, é o homem que parece deixar-se levar pela amizade não desconfiando em nenhum momento do amigo e parceiro de trabalho.

Em Pacto de Sangue não é a câmera que envolve o espectador acompanhando a trama pela ótica do criminoso, mas a narrativa que mostra ao longo do filme o ponto de vista de A Neff sobre o decorrer dos acontecimentos.

“O cara que você procurava estava muito perto Keyes, do outro lado da sua mesa”. “Mais perto que isso Walter”. “Também te amo Keyes”. Este diálogo final mostra a amizade entre os detetives, ainda que Keyes cumpra ao final seu dever entregando Neff para a polícia, mesmo que o criminoso já acreditasse estar a beira da morte.




Body Heat (1981)
113 min - EUA
Crime | Drama | Thriller
Lawrence Kasdan

Corpos Ardentes parece ser sem dúvida uma remontagem do clássico de 1944, tal como compara Jameson.

Ned Racine é um advogado de uma cidade pequena na Flórida que conhece Matty Walker, mulher de um magnata que costuma viajar a negócios. O encontro os leva a tornarem-se amantes e em seguida planejarem a morte do rico marido Edmund, a fim de que possam estar livres para permanecem juntos e com a fortuna da qual Matty tornaria-se herdeira.


Alguns traços marcantes que apresentam-se no Noir, como a fotografia contrastada e tomadas de câmeras não convencionais não se apresentam em Corpos Ardentes. O “plágio” descrito por Jameson está no tema, onde os amantes planejam o assassinato do marido indesejável a fim de tomar para si a herança. O desfecho, porém, difere no fatalismo de Pacto de Sangue com a morte dos amantes. Em Corpos Ardentes, a fuga da esposa que realiza o sonho de viver em um ambiente exótico em grande estilo, deixando o cúmplice atrás das grades - este percebendo ter sido manipulado desde o momento do encontro até as juras intensas durante os encontros sexuais - acaba por demonstrar um desfecho não menos fatalista, ainda que apenas para um dos lados, deixando ainda um gosto cínico e amargo de que o crime compensa (pelo menos para alguns, não é, Matty?).


Recomendo aos leitores que assistam aos dois filmes e analisem a tendência da apropriação sobre a ótica de Jameson mas também dos já citados na primeira parte desta análise. Tirem suas conclusões e descrevam em seguida aqui em nosso espaço para mais discussões.



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