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terça-feira, 22 de março de 2011

A Marca da Maldade (Touch of Evil - 1958)

Touch of Evil
EUA - 1958
Crime - Filme Noir - Triller
95 min
Orson Welles


A Marca da Maldade, de Orson Welles, é considerado o último grande filme Noir do período clássico - década de 40 a 50 -, segundo os puristas, e o tema concentra-se no comportamento humano e suas tendências diante das situações vividas.



O filme é relembrado em especial pela cena de abertura em plano sequência de uma bomba acionada no porta-malas de um veículo que partirá da fronteira americana ao México e após a explosão, policiais de ambas as partes investigam o caso mas discordam sobre a forma como atuam. Nele presenciamos a cena urbana, a profundidade de campo ampliando a visão geral do espectador e o close na bomba que desencadeia a trama, num ritmo contínuo que causa ansiedade quanto ao desfecho da situação.

Há quem afirme que uma das razões que levou Orson Welles a pensar neste longo plano sequência sem interrupções, deve-se à economia do curto orçamento além do pouco tempo disponível para as filmagens, situação muito comum nos filmes B e no filme Noir, mas que neste caso parece ter colaborado com a genialidade do diretor em questão.

O blog Obvious - um olhar mais demorado, faz uma interessante observação a respeito da técnica utilizada no plano sequência, que transcrevo abaixo (você poderá ler a matéria na íntegra no link http://obviousmag.org/archives/2007/05/touch_of_evil_a.html:

"...são utilizadas diversas técnicas mas,...a mais marcante será, talvez, a obtenção de uma longa cena efectuada com uma única filmagem sem interrupções. Diz-se que esta técnica é um exercício narcisista que, no limite, serve para o próprio realizador passar uma afirmação do seu talento.

Esta técnica extremamente complexa, envolve manobras de câmara muito extensas que necessitam de uma grande planificação e maestria de execução, exigindo ao realizador uma grande capacidade de articulação de todo um conjunto de eventos das outras disciplinas...

No entanto, quando é necessário envolver movimentos complicados que, por exemplo, envolvam diferentes condições de iluminação e focagem, a dificuldade desta técnica vem de cima. Assim, a primeira cena universalmente aceite como das mais longas, efectuada sem qualquer corte e em condições extremamente complexas, foi a fantástica abertura do filme "Touch of Evil", realizado em 1958 com a excepcional mestria de Orson Welles.

A cena começa com a colocação de uma bomba na mala de um carro. A partir desse ponto, a câmara segue o carro através de diversos movimentos para acompanhar a acção que se vai desenrolando numa rua com cada vez mais figurantes e objectos. Um crescente de suspense começa a ter lugar na cabeça do espectador que se pergunta em que instante a bomba irá explodir, sendo esse momento acentuado com o contínuo da acção sem qualquer interrupção. É absolutamente impressionante a mestria e o talento de Welles. "

As características do Noir - cenas noturnas em ambientes degradados, fotografia escura com alto contraste, crime, investigações, personagens imorais e corruptos - fazem parte da obra, mas o contraste de personalidades e conduta moral, como o detetive alcoólatra que vive a dor do assassinato da esposa sem a captura do culpado, tornando-se amargo e corrupto para garantir que nenhum outro caso termine sem punição, e no outro extremo o policial honesto e inconformado com as injustiças que percebe durante a investigação, demonstram os princípios humanos apresentados por Welles de forma imparcial, pela premissa de que certo e errado são relativos pela dualidade do ser, tal como descreve Nietzsche em Além do Bem e do Mal, ou ainda, que ninguém pode ser classificado superficialmente dentro de um destes princípios, pois devido à complexidade do ser humano, bem como suas escolhas e as características da sociedade em que vive, todos agem de acordo com a situação em que se encontram, tanto física quanto psicologicamente.


Vargas e o Captão Hank Quinlan, os "homens da lei" em Touch of Evil.




O filme é repleto de cenas violentas e os personagens parecem sair do submundo, sem escrúpulos ou moral, quer tratando-se de bandidos ou homens da lei, exceto pela figura de Vargas (Charlton Heston), o policial ou detetive que busca a verdade e quer punir o policial corrupto, evitando maiores injustiças como as que presencia durante as investigações que iniciam o filme.



Orson Welles, na figura do enorme e taciturno Capitão Quinlan, é toda a desesperança, tornando-o um homem amargo e disposto a todo tipo de artimanha e violência que garanta a prisão ou morte dos suspeitos, sem importar que a verdadeira justiça seja feita de fato, mas trata-se de uma vingança pessoal aplicada a todos os supostos suspeitos ou inconvenientes que passam por seu caminho.





Na sequência final, a perseguição entre os detetives é feita com inclinações diagonais de câmera, parecendo relacionar-se com o estado emocional dos personagens até o desfecho fatal com a morte do detetive fora da lei.



Sobre as mulheres que compõem a trama, vale lembrar a atuação de Janet Leigh, muito conhecida por protagonizar Psicose e em boa forma como a esposa do honesto Vargas, por vezes desafiando as ameaças recebidas para intimidar o marido, ou aflita e acuada quando de sua captura, a fim de ameaçar a boa conduta do policial.


Marlene Dietrich aparece em poucas cenas, porém é inesquecível, prevendo o futuro do desiludido Capitão Hank Quinlan.



Em Touch of Evil, Orson Welles desafiou todos os padrões levantando questões de imoralidade, preconceito - o jovem Vargas não é muito respeitado por ser um "mestiço" além de acompanhado por uma bela loira - a questão das drogas quando da tentativa de incriminação de Susie Vargas, além da falta de escrúpulos e alta violência em meio a homens que representam a lei e a ordem.

A crueza dos fatos, a dureza nos diálogos, o clima pesado e pessimista dos acontecimentos são os temperos em meio a uma fotografia muito bem tratada, cenas detalhadamente construídas, envolvendo o espectador em uma obra prima que merece ser considerada um marco, mesmo que final da época clássica do filme Noir. Trata-se de um filme obrigatório para quem gosta de cinema e imprescindível para quem aprecia o Noir.

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